Avaliação de alunos surdos: critérios diferenciados
A avaliação é sempre um assunto complexo. Muito se tem discutido sobre ela, sobre sua natureza e sobre seus objetivos. Essencialmente, a avaliação cumpre o papel de fornecer informações sobre o desenvolvimento do aluno, permitindo ao professor saber se os objetivos traçados para determinado período letivo foram alcançados ou não. O problema é que, muitas vezes, a avaliação acaba sendo confundida com a simples atribuição de notas, em uma busca de resultados meramente quantitativos. Tal problema se intensifica quando se trata de alunos surdos.
Evidentemente, cada estudante — ouvinte, surdo, cego, etc. — apresenta suas especificidades: no ritmo de aprendizagem, na maneira de apreender um conteúdo ou na forma de se expressar, entre tantas outras. Contudo, em relação aos outros colegas de classe, o aluno surdo tem uma característica única: a Língua Brasileira de Sinais — Libras. Isso significa que o aprendiz surdo fala, pensa e vive não só em uma língua diferente do português mas também em uma cultura. Para o surdo, o mundo se apresenta por meio de imagens. Ele percebe, aprende e manifesta tal aprendizado a partir de sua concepção de mundo e de sua língua, que são visuais. É aí, muitas vezes, que começam os problemas na avaliação do estudante surdo.
Infelizmente, ainda não há informação suficiente para que professores saibam lidar com o ensino de surdos, falta formação específica e até mesmo as pesquisas sobre essa área estão apenas no início. No entanto, o que tais pesquisas e alguns relatos de alunos surdos apontam é a necessidade de que os educadores planejem suas aulas pensando nas especificidades linguísticas e de percepção do surdo. O termo especificidades não deve, como muitas vezes acontece, ser interpretado como facilidades, nem como algo que atrapalhe o fluxo das aulas. Em lugar disso, ao procurar atender as especificidades de aprendizagem do surdo, o professor, muitas vezes sem imaginar que é possível, acaba envolvendo todos os seus alunos em atividades que são interessantes tanto para aprendizes surdos quanto para ouvintes.Se o ensino exige que certas especificidades sejam contempladas, consequentemente, a avaliação também precisa ser feita de uma perspectiva diferenciada, de forma a respeitar a diversidade linguística e perceptual do estudante surdo. Não é o caso, porém, de que o professor precise “facilitar” ou “ajudar” esse aluno. Afinal, ele é tão capaz de aprender quanto qualquer outro estudante, desde que tenha acesso a um ensino que pense na sua condição de aprendiz surdo, assim como os cegos têm um ensino adaptado às suas próprias especificidades. Há muito preconceito quanto à capacidade de aprendizagem dos surdos. Preconceito esse que acaba se espalhando por falta de conhecimento, por não se saber como ensiná-los e, principalmente, como avaliá-los, frustrando, muitas vezes, os próprios alunos surdos.
Para evitar esse tipo de problema, é preciso que os envolvidos na educação de surdos procurem formação específica — atualmente, oferecida pelo governo e por instituições particulares — e estejam abertos a aprender com esses alunos, revendo suas práticas de ensino e de avaliação. Certamente, não é fácil lidar com o novo e o desconhecido, mas tudo pode ser mais fácil se o professor se dispuser a aprender, a refletir, a discutir com colegas da área e se puder encontrar algumas dicas para aliviar seus medos e suas dúvidas iniciais. Por isso, sugerem-se, a seguir, alguns critérios de avaliação diferenciados na educação de surdos.
É muito comum que, em sala de aula, se avalie a leitura em voz alta feita pelo aluno.. Um professor ciente da diferença linguística do aluno surdo não deve exigir que ele faça esse tipo de leitura, mas isso não significa que o estudante surdo deva perder essa oportunidade de avaliação. Uma alternativa possível é que se mude o foco da avaliação: em lugar de cobrar do surdo a leitura em voz alta, pode-se solicitar que ele ilustre o que entendeu ao ler o texto.
Outra situação corriqueira é a realização de ditados, atividade que, obviamente, exclui o surdo. Como se trata de uma avaliação ou exercício que tem por objetivo treinar a ortografia, uma alternativa muito interessante para surdos e para ouvintes é a utilização de figuras. Por exemplo, ao mostrar à classe a imagem de uma casa, os alunos deverão escrever casa e, assim, sem transtorno algum, o educador pode avaliar o conhecimento ortográfico de seus alunos.
Além desses exemplos mais concretos, o professor pode avaliar seus alunos surdos por meio de desenhos sobre o conteúdo ensinado, de dramatizações em Libras — em que os intérpretes entram em cena no caso de o professor não ser usuário dessa língua —, e também por meio de textos redigidos pelos estudantes. Nesse último caso, o professor não deve avaliar o texto do surdo em comparação com o do ouvinte, na expectativa de que aquele escreva como este. Afinal, a língua portuguesa escrita é uma segunda língua para o surdo, diferente, em muitos aspectos gramaticais, de sua primeira língua — a Libras. Portanto, o educador, ao corrigir o texto de um aluno surdo, não deve se ater à forma e sim ao conteúdo. Ele deve, como um critério diferenciado de avaliação, priorizar a coerência, a originalidade e a autoria das ideias expostas pelo surdo. Nessa hora, o educador não pode esquecer que, na condição de usuário não nativo da língua portuguesa, o surdo produzirá textos que se aproximam daqueles escritos por outros aprendizes cuja segunda língua é o português, mas que nem por isso deixam de ser considerados textos que alcançam seus objetivos de expressão.
No mais, cabe ao educador ter bom senso e procurar se informar. As redes estaduais e municipais de ensino têm, dia após dia, oferecido cursos de formação, portanto, o professor precisa ficar atento. Ele também não deve perder a oportunidade de aprender com a própria prática e de avaliar a si mesmo — em que medida suas estratégias de ensino e de avaliação têm contribuído para o desenvolvimento dos aprendizes como um todo. Finalmente, o professor não pode esquecer que um aluno é diferente do outro e o bom profissional deve se esforçar para lidar com isso.
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